terça-feira, 26 de outubro de 2010



Alma Lada


Um sofá velho numa rua cinzenta,

Com o Sol frio nos ossos,

Debaixo de uma árvore morta,

O silêncio como companhia,

Um cão que passa repetidamente,

Com um olhar de quem percebe

A miséria dos olhos fechados.

Um carro estacionado sem portas,

Onde vivem gatos,

Uma voz de uma janela numa língua desconhecida.

Um piano?

Os anos pintam as paredes cansadas

E os amarelos vivem só para a noite.

Ninguém trabalha a estas horas do jantar,

Nem jantam, nem vão dormir que ainda é cedo.

Dormito um poema deitado num lugar desconhecido,

Numa rua possível no leste do meu descontentamento,

Quase um cão de olhar triste,

Que passa repetidamente, olha e parece perceber,

A miséria feliz.



26.10.2010



Torre de Dona Chama



João Bosco da Silva



Erecção


Deixa-me ficar,

Dentro, escondido em ti,

Quente, no teu corpo,

Esquecido da dor e do tempo.

Deixa-me estar,

Esculpir a tua cara,

Num ritmo cardíaco,

Fundo, todo eu,

Para sempre, neste momento,

Quando somos outro.



25.10.2010



Torre de Dona Chama



João Bosco da Silva




Sou De Todas As Cidades


Eu sou de todas as cidades,

Chego e sinto-me a espalhar pelas ruas desconhecidas,

Sempre as mesmas.

Sou todos os pecados dos becos escuros,

O vício da rua das putas e do bairro da droga,

Sou os caixotes de papelão aquecidos pelo corpo frio e alcoolizado,

Sou o beijo dos amantes, dos amigos, dos Judas,

Sou o colar de pérolas que rodeia as pregas dos anos

E a careca do dono do carro desportivo italiano.

As tradições da cidade correm-me nas veias,

Mesmo que as desconheça,

Os seus costumes fazem parte da minha pele

E o mundo todo é a minha casa.

Sou o bairro da fome, degradado, a degradação,

A ponte fechada, o hospital sobrelotado,

A escola que pinga e se desfaz,

Sou o museu de arte contemporânea e o de história natural,

Sou o metropolitano e entro por todos os túneis debaixo da minha vida.

Sei que sem querer, ao ultrapassar um nome,

Roubo-lhe a identidade porque afinal, aquilo é feito de gente,

E eu que chego sou parte da cidade.



25.10.2010



Torre de Dona Chama



João Bosco da Silva