quinta-feira, 16 de dezembro de 2010



Improbabilidade de John Coltrane


Não sei quem me lembra, quase sem olhar naqueles olhos cansados,

A barba suja, já branca, mas suja, encurvado, batido pela vida,

Sem aspirações além de manter os seus objectos perto,

O seu lixo próximo a fazer com que ele mais um bocadinho.

Pede um cigarro a quem passa, mas ele fantasma para tantos,

Apesar de ser um homem alto e com muitos anos de peso,

Mais leve que os muitos que passam, sem dúvida que mais leve,

Com o seu olhar até ao fim, ou o início sempre, uma primeira vez,

Um brilho sujo nas ruas conhecidas e também sujas,

Onde à noite as predadoras de dentes húmidos e infectados

Fazem companhia às luzes amareladas da cidade cinzenta.

Não sei porquê, mas John Coltrane apesar do ruído invisível da noite,

Talvez pela heroína que tantos levam, ou desejam,

Ou não e apenas um certo improviso humano, caos harmonioso

Naquelas barbas sujas, que afinal me lembram Bukowski

E uma voz arrastada, também Ginsberg, ou mesmo um velho sentado,

Väinämöinen, mas o americano Walt Whitman, um cântico mudo a ele mesmo.

Ele tão mais, apesar de não ter nada além dele, ele vivo,

Quando tantos o atravessam durante o dia, enrugando o nariz,

Cheio do vazio de si mesmos, convencidos do seu tamanho fora,

Não valendo um saco cheio de lixo, nem a fome de gramas de heroína,

Mais alienados que os que se estendem como lagartos

Ao sol imaginário da cidade cinzenta onde Coltrane é improvável.



16.12.2010



Torre de Dona Chama



João Bosco da Silva