segunda-feira, 17 de janeiro de 2011



Pés Frios


Enquanto os pés arrefecem, tudo se torna mais claro, com o silêncio

A acompanhar convulsões inertes, eléctricas, químicas e dedos que tentam

Ser sinceros ao pó que se levanta nas memórias que aparentemente

Deixaram de valer a pena e são as que suportam todas as outras,

Que por serem recentes, parecem mais importantes, estando longe disso,

Onde as galáxias morrem e não onde universos foram criados.

No fim, tudo são uns pés que arrefeceram, desejos que se perderam,

Amores que passaram e se odiaram e passaram mais e se tornaram ridículos

E ficam a tornar-nos lúcidos de que o coração erra tanto e não vale a pena

Dar-lhe ouvidos, também ele arrefece, também ele perde o ritmo

E ignora sombras ridículas de que já não somos.

Só as fotografias que ainda nos querem, depois de tantos anos,

Tanta erosão, tanta desilusão, distância, que nos esperam depois de tanto silêncio,

Que nos aquecem quando os pés já arrefeceram há horas,

Só essas merecem o respeito dos sorrisos sinceros, dos olhares com desejo,

Com remorso ou com tristeza, só essas merecem os dedos que as tocam

E os lábios que as beijam sem pudor, sem medo, mesmo que ainda não haja silêncio

Num quarto vazio, pois ainda vibram as fibras de algo sem corpo que morre

Para ressuscitar algo melhor, mais real, mais sólido, que resistiu à sua morte possível.

As madrugadas ainda adormecem, as lareiras arrefecem, o vinho deixa de se sentir

E só uma dor de cabeça e uma náusea ficam da euforia da noite anterior

Que o dia seguinte apagará para sempre até haver uma próxima, mais uma,

Uma que dure toda a eternidade a que um mortal tem direito,

Até não haver forma de aquecer os pés que se deixaram arrefecer.



17.01.2011



Torre de Dona Chama



João Bosco da Silva



Em Defesa Dos Vampiros


Aos vampiros, quem os torna vampiros, são as vítimas

Que os empalidecem com o seu calor, o seu pulsar de vida,

O seu cheiro a sonhos por um futuro limitado.

São as vítimas que lhes roubam a alma, lhes cegam

Todas as outras vontades e lhes limitam a vida

À sede de um outro sangue, para continuar pela eternidade,

Vazios, buracos negros esfomeados de outros dentro,

Desejosos de dentes dentro, de gritos, de dor ou um prazer

Que não se explica por quem tem fome à noite e os olhos

Fechados pela eternidade.

Os vampiros, pobres vampiros, abdicam do descanso eterno

Porque a isso alguém os obrigou, alguém os bebeu,

Os esgotou até à última gota de calor no coração,

Até ao último suspiro da alma.

Há dentes chamados beijos, sedes chamadas desejos

E no fim todos são torturados, os que são para sempre

E os que lhes matam a sede que nunca se apagará.



17.01.2011



Torre de Dona Chama



João Bosco da Silva