quarta-feira, 13 de abril de 2011


Insónia De Um Jim Beam


Não posso ficar, nunca poderei ficar, mas entretanto, enquanto a hora

Não me empurrar para o infinito, empurro mais um Jim Beam,

Faço mais um momento meu, mais um gesto menos gesto,

Que a noite ainda mal começou e já cheira a aurora no ar húmido

Do verde da primavera e todas as horas que me são sou eu.

O copo vazio deixo-o cair, sei que nunca mais voltará a ser copo,

Serviu-me, nunca foi o que levarei comigo, cada vez menos eu,

Cada vez mais longe do olhar cheio de fome de tudo,

Quando não sabia que tudo, a cada dentada vivida, aumenta o vazio

Que se ganhou quando a inocência deixou de bastar para fazer o dia valer a pena.

Quando é que os outros se tornaram condição à existência,

Aqueles olhos que nos vêem de mil formas distintas,

Nunca a que trazemos dentro, porque tantas e nenhuma

E eu sou o melhor actor do mundo, cada dia finjo ainda ser eu,

Uma personagem desconhecida a cada nova manhã, ao meu lado,

Nem a sombra a mesma, diluída nas cores cada vez menos vivas do mundo.

Enquanto me agarrarem no braço sei que ainda cá ando,

Acorda, como se tivesses os olhos fechados, só cansaço, só uma vontade

De deixar toda a vontade, ser levado pela areia movediça do tempo,

Navegando neste corpo condenado, quebrando gelo impossível,

Saqueando povos sedentos de violações e abusos, em direcção à aniquilação,

Levado pelos ventos infernais do ateísmo, sem remorsos pelo que as mãos conseguiram.

Não sei quem pinta todas as noites o dia, umas vezes abusando em tons cinzentos,

Outras exagerando na violência contra os olhos cansados das noites alargadas

Até ao nascer do sol, como se houvesse medo de adormecer

E nascer outro, com menos olhos para a luz que nasce além dos montes.

Deixa-te ficar, deixa-te ficar tu que a eternidade não demora tanto,

Perde-te comigo num Kentucky que apenas imagino,

Perde-te comigo que tu apenas imaginas, longe eu como Louisville,

Longe eu em Louisville como em Bragança, aqui ou além sete palmos,

E a minha verdade nunca será a tua, nem eu conseguirei fazer-te ver

Pelos meus olhos, nunca os mesmos, sempre iguais, dias cinzentos, sol, demasiado sol.

As moedas espremidas da vergonha são lançadas sobre o papelão,

Preciso de dinheiro para adiar o inadiável, ir andando, como tu, como eu, como todos,

Com os passos descolados, com os bolsos cheios de liberdade,

Um olhar que não merece as caras amarelas, verdes, vermelhas dos que morrerão

De excessos, da gula pela vida, quando o estômago rasgado à nascença

Foi suturado com frágil linha de feita de vida, de sonhos e ilusões.

Todas as mulheres me parecem bonitas e merecedoras do título:

Razão para viver, mas a vontade vem do cérebro primitivo, aquele que a morte

Esquece e é igual para todos, por isso bebo mais um Jim Beam,

Rodeio mais um centro do universo enquanto a hora não me empurra para o infinito

E rasgo o tempo por momentos, paro, suspiro e acredito que por instantes

Alguém acreditou que sou, alguém teve a certeza de ser, mas não posso ficar,

A morte é uma ressaca fácil de suportar e dói mais a sua antecipação.



13-04-2011



Turku


João Bosco da Silva