sábado, 28 de maio de 2011


Reminiscências de Sexta-feira


Noite com mãos como bocas, lá no fundo, sem aprovação, tornando-me perdido

E no fim é sempre a mesma desculpa dos corpos tatuados, a curiosidade do interior impossível,

As marcas que são breves e vão-se com um duche demorado na esperança de pecados

Também, pelo ralo até ao inferno que nos espera, sem existir depois do corpo eléctrico,

Depois da desistência da unidade das sinapses, como se um universo que se apaga subitamente,

E afinal a vida uma luz pequenina, uma noite perdida aos bocados, com um gosto na boca

Que é de alguém, quase uma memória, mamilos que se mostram com vontade de uma liberdade

De outro, um abraço sem unhas, uma humilhação de língua atrás da orelha enquanto se empurra

Mais um golo de suicídio, sabendo que o meu avô por lá, o meu tio por outra razão e então…

Então, que se lixe, há tanto mundo no mundo, tanta forma de sair, uma única de entrar

E há tantos anos que me parece que desde sempre e ninguém me convencerá do resto

Enquanto não apagarem as luzes e não me tirarem as mãos de dentro das calças

Com uma multidão de vazios com pés inquietos e luzes que cegam os olhos fechados.

São três, quatro e quase as cinco, tão cansado, tanto cansaço que só me apetece

Atirar pedras à janela do quarto dela, aquela janela que nunca soube qual era, por isso

Mãos cheias de pedras e alguma será, se for, entre pernas nas minhas, disse que ia desistir

Mas não me deixam, agarram-me, deixo-me levar, no fundo falta-me interesse

E o meu desprezo por quase tudo torna-me tão interessante, uma luz solitária

Numa casa abandonada, das últimas no fim de uma aldeia, onde os mosquitos e as traças

Se reúnem para o banquete das repelentes osgas com olhos inocentes de medo,

O meu desprezo é o meu amor pelo mundo e queria tanto poder odiar algo, alguém,

Como se a culpa pudesse ser de mais alguém, além dos dedos do cansaço que se arrastam

E tentam dar significado e alguma dignidade a uma ressaca crónica: a eternidade foi longa

Mas espera-se uma do mesmo comprimento, ao menos não estarei só quando a noite acabar,

Não estarei só como quando alguém me incomoda com a expiração no meu ombro,

Não me incomoda quando o que me faz tentar está vazio, verti-me na noite e a secura

Tornou-se no meu único sentimento por quem não me quis, agradeço mais as mãos que me empurram

Para longe, do que às que me envolvem na loucura de mais uma vez para nunca mais, até ver,

Até ver se um rosto se solidifica na minha memória diluída pela sede de vida por muito menos.



28.05.2005



Turku



João Bosco da Silva