quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012




Exterminador À Mesa Com Cadáveres Nus



“I´m getting so far out one day I won´t came back at all”
William S. Burroughs

Aparentemente, morreste mesmo, o mundo todo livrou-se de ti, ao contrário
Do que esperavas, não mataste o mundo, não acabaste com ele, as tuas mulheres
Continuarão a não ser tuas, outros irão entrar-lhes dentro, algumas terão filhos,
Outras terão melancolia e tu irás visitá-las, naquelas noites mais solitárias,
Mas ao Sol, nem pensarão no teu nome, tu moras na escuridão e o teu futuro
É o esquecimento. Ainda não nasceram ervas na tua campa e já sacodem o pó
De ti, é que a vida não suporta o peso vazio da morte por muito tempo
E já se está a festejar como se tu nunca tivesses desistido de tudo.
Tantos fins do mundo todos os dias, sentem-se com o ruído das massas
E amanhã estão os escombros limpos, a ocorrência registada para acrescentar à
História, como se fosse só para encher livro. Os problemas do mundo continuam,
Tu não eras o problema, só a consciência dos problemas, as sinapses
Desistiram de universos que se desintegraram em anóxia, enquanto outras
Estrelas se acendem todas as noites ignorando o tamanho insignificante
De dois olhos que se fecham, dois buracos de verme que terminam
Encerrando uma realidade no vazio eterno. Tornaste-te num sistema isolado,
Não aqueces nem arrefeces, apodreces, as cordas continuam a vibrar
E a permitir todas as injustiças contra a nossa moralidade inventada à sombra
De deuses imaginados, o Sol não é suficiente para todos e a fome parece
Ser o esgoto de uma civilização doente, corre debaixo dos hemisférios
Das cidades brilhantes e douradas. Os teus olhos tornaram-se cinzentos,
Podia-se perceber na mesa do café, enquanto falavas de cores e contra gerações,
Todos mortos também, copos falhados e erros irremediáveis, um Mugwump agarrado
Ao corpo de David Carradine e tu enterrado no anonimato de uma aldeia do interior,
Enquanto as abelhas continuam o seu trabalho na urze à entrada do cemitério,
Uma dolorosa indiferença voadora excessivamente doce. Têm morrido cantoras
Cansadas do seu cansaço pelo excesso da vida, sempre um excesso, quase tudo,
Quase nada, o mesmo excesso incompleto que é a vida e a reacção
Histérica dos vivos perante a morte é na verdade o festejar de uma vitória,
Ainda cá estamos a acabar, e uma certa inveja, como será estar morto,
Mas no fundo “quase nada é sempre melhor que nada”, querem acreditar
Os que têm a melancolia de uma vida relativamente fácil e sem fome de estômago vazio,
Mas no fundo sonham com mortes súbitas e coragem no décimo terceiro andar,
Esperam silenciosamente catástrofes naturais sentados no sofá a ver televisão
Só com a roupa interior vestida. Também te devem ter enchido o crânio com papel
De jornal, a última lavagem ao cérebro, mas escolheste tornar as sinapses em
Alimento para a curiosidade de facas, quando só tu sabes a verdadeira razão,
Quando só tu sabias qual a razão que não encontraste para desistires.
A tua cama ainda deve ter o teu cheiro e já as promessas de amor mudaram de nome,
A memória que não é escrita em pedras é muito volátil e desculpam-se
Com nomes de outros mortos como Karsakov, má alimentação, excesso de álcool.
O almoço está servido, mas não te preocupes, não arrefecerá à tua espera,
Não neste mundo de corvos vestidos de papagaios, que sonham com a infância
Perdida e fazem tudo para tornar a dos outros cada vez mais curta.

16.02.2012

Turku

João Bosco da Silva