quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Palidez De Um Black Label 3

Preciso de ti Johnnie Walker Black Label, salvador de todos os perdidos em mapas
Desactualizados, alimento das almas cansadas do cansaço da vida a arrastar-se nos
Dias de neve e peso bolorento, ergo-te à Lua para que me apagues o desespero
De uma solidão impossível, as ruas fervilham de certezas e todos morrem num silêncio
Constrangedor que revela a sua verdadeira natureza quando os esfíncteres finalmente
Cedem às evidencias e as aparências, o brilho rapidamente ferrugem quando o latão
Deixa de ser polido e chamado de ouro, engulo-te ó companheiro de outros poemas
De paralelos, outras descidas ao fundo do poço de carne e osso chamado memória,
Que tudo engole e tudo ama enquanto cai no esquecimento infinito, espera-se
Que os avôs nos abracem com o seu hálito a vinho, nos lábios roxos apagaram-se
Todas as histórias e não se adivinha um dia de copos vazios, mas a ausência de vida,
Nunca acreditarei no Pablo Com Roupa de Arlequim à beira de um Stendhal em Helsínquia
Numa das visitas de Picasso aos nórdicos, não fosse o reforço das vitaminas B e julgaria
Que tudo não passaria de um sonho, ou uma psicose de Karsakov, que acaba por ser o mesmo,
Por isso preciso de ti, porque me faltam sonhos e a memória promete-me nuncas mais,
Como tudo o que a memória promete, o vazio é grande e precisa de ser preenchido por
Ilusões de ouro e uma pedra de gelo ou diamante, os cães também já não ladram,
Os caçadores mataram-nos, os incendiários mataram os montes, no fundo, todos me mataram
Um pouco, as veias arrefecem com o que corre lá dentro, eritrócitos, que nunca gostei da palavra,
Hemácias que sabem melhor, com um pouco de vinho do porto e dois artistas, um só de vida
Outro também de fazer na vida, agora hemácias secas, falciformes, sabe-se lá em que
Entroncamento a bruxaria se fará, entretanto, traz-me um pouco do menos que fui,
Que este acumular de mais uns anos, apagou-me o brilho infernal que durante muito tempo
Mantive aceso à força de muitos sopros de ferreiro de martelos sagrados, ergo-te, copo vazio.

18.09.2013

Coimbra


João Bosco da Silva
Visita A Koroisten Piispankirkko Com Tranströmer E Carpelan

“The heart does not accord
with its bounds,
nor the poem with reality,
nor reality with God´s dream.”
Bo Carpelan

Ao ler  Gläntan de Tomas Tranströmer lembro-me de Koroisten Piispankirkko à beira
Aura, a erva também milagrosamente viçosa, uma cruz branca a anunciar que o agora
Nu, em ruínas, uma mandíbula desdentada, antes um templo, rodeado por mais uns amontoados
Pálidos de pedras, incrustadas no solo verdejante de uma Primavera explosiva,
Antes a capela do bispo, emuralhada por uma paliçada absorvida pelos anos, com torres para o rio,
Reduzidas à estranha sensação de nostalgia que as ruínas evocam, já não saltitam por lá galinhas
À espera da faca no pescoço, só crianças pequenas acompanhadas pelos jovens pais,
Casalinhos sentados nos bancos com as bicicletas à espera de outras distâncias que não
As do tempo, todos parecem ignorar a informação em finlandês e sueco, o resto adivinha-se,
Uma casa de deus, onde parece que também eu já estive, de alguma forma, além das vozes
Que ouço, da língua que reconheço e compreendo, parece-me ouvir outra que reconheço,
Mas não compreendo, a língua de Tranströmer ou melhor de Bo Carpelan, que conheci uma vez
Numa revista e melhor conheci a sobrinha-neta, que diz que pouco se relacionou com ele
E eu ainda conservo dele a necrologia de um recorte de jornal, o mesmo sinto quando a encontro
Por acaso, dentro de um livro, o mesmo que sinto ao pisar os alicerces da Piispankirkko,
Muito diferente do que sinto ao tentar traduzir um poema meu, numa noite de bebedeira nórdica
À sobrinha-neta do Bo Carpelan, que só pensava em tê-lo dentro, e continha-se pelo
Interesse da amiga e o seu fascínio pela minha roupa interior a secar na cozinha,
Onde estará o tal bispo a estas horas a secar a sua roupa interior, “só os arquivos é que envelhecem”,
Mas também só o corpo que arquiva tudo envelhece e ao contrário do suporte dos arquivos,
Morre ao mesmo tempo de quem o registou, só ficarão os fantasmas projectados em amontoados
De pedras, num alto, à beira de um rio antes sueco, sempre humano, tanto meu como
Tudo o que um dia levarei comigo, toda aquela água em direcção ao Báltico, em direcção
Ao esquecimento, ao desaparecimento de tudo, menos das pedras-alicerces.

“Não procures na erva muda, procura a erva muda.” Bo Carpelan

19.09.2013

Coimbra


João Bosco da Silva
Purga

A caminho de Rantasalmi onde me espera um gelado no fim da tarde, uma traição
Com a amante de cavalos e um susto de filha que muitas vezes suspiro por quase
E não ser, o gelado derrete para os dedos, os bêbados começam a estar, podia-se
Beber uma cerveja, mas lê-se um pouco mais de Antunes enquanto se espera que
O talento venha, isto não passa de uma preparação para, para na verdade, nada,
Acabou o tempo a caminho de Rantasalmi, a minha mãe já dorme mais descansada,
Porque apesar de eu nunca tão distante, sabe-me perto, longe dos russos e do
Perigo além fronteiras, quando é cá, que mais me temo e menos me sou, perduro,
Sem ter aprendido este sacrifício de Sol, esta expiação de pecados inventados
À luz da lareira, estes modos de ser educado com uma alma bruta e pequena,
A caminho do útero mais quente, onde me purgo de todos os pecados por omissão,
Por pecar, e o desperdício de vida que acarreta esse ficar por pecar, engulo o vinho
Da eucaristia luterana, sangrada sabe-se lá a que distância, as searas prepara-se
Para as grandes máquinas e no Sul sua-se um suor barato e criam-se uns calos
Que ninguém vê como necessários, cultiva-se o culto ao sacrifício desregrado
E inútil, buscam uma tristeza feliz no pingo de cera que dói, mas que de um santo
Qualquer, uma cona ejaculadora lava melhor os pecados, especialmente se
É de nenhuma santa, de uma mulher real, mesmo que sem nome, dança-se
Na escuridão a medo dos olhos, tem-se tanto medo dos olhos, e da língua dos olhos
Nesta terra de cobras, a caminho de Rantasalmi, sentado numa recordação sentado,
Com o fascínio que se ignorava de uma ruiva pálida que acreditava que o diabo
A dormir num banco de autocarro, o diabo que ela queria ter dentro e engolir
E sentir até doer, no adro da igreja de Savonlinna, enquanto a madrugada se desfaz
Em cigarros e promessas em forma de despedida e nunca mais, regressarei, a mim.

18.09.2013

Coimbra


João Bosco da Silva
Desconsolos Sobre Melancolia

para o que se perdeu,

Senta-te e espera, dá um avanço ao cigarro, deixa o fumo vaguear, não te apresses,
Já não vais a tempo, as ideias que valiam a pena, ficaram esmagadas por mais um gesto mecânico,
Tu, no fim de contas, não és nada, não há olhos para te verem, não há dedos que mereçam
Sujar-se com a verdade que tentas arrancar dos becos viscosos da alma que construíste com
A lama das noites frias, aos poucos, esquecem-te e arrefeces, como uma profundidade
Que nunca antes tinhas sentido, e ainda dizem que isto é um país quente, de língua,
Quente como são quentes as pedras pequenas ao Sol, que servem só para incomodar
Os pés vivos que querem caminhar em direção a algum lado, de dentro, de fora para dentro,
Não te canses, morreste mais do que o que poderás morrer se te queimarem as inutilidades
Dos dias passados para aguentar mais um dia, a madrugada mal te reconhece, mal lavaste
Os olhos e já te apetece adormecer e esquecer o que te tirará o sono da noite que te cresce dentro,
Faz falta que te percas, uma vez mais, seja em quem for, onde for, mas perde-te, ou estarás perdido,
Não há asas para bater, só punhetas em honra a sortes melhores e esquecimentos sinceros,
Nem te sentes, não vale a pena, entrega os manuscritos às mãos da tua irmã e pede-lhe
Que sejam engolidos na lareira da tua infância, também nunca deverias ter ganho pêlo
Nos tomates, agora confundem o tamanho de uns com sonhos, não te mexas, exigem de ti
A concentração de uma pedra e tu engoles, o vazio de uma boca seca, com medo de perderes
A miséria a que por favor te submetem, perde-te, só assim darão por ti, só assim dirão que tu
E mais nada, que falem, que rebentem de nojo e inveja, a liberdade incomoda como a merda,
Daí ser tudo tão limpo neste país de cus de ouro, despe-te também, enquanto transferes o vazio
Para umas garrafas familiares, olha que o cigarro não dura sempre, nem tu terás essa falta de
Motivação que te leva a soprar o castelo de cartas de cada vez que te aborrece o tamanho
E a ordem da desordem, dá-lhes a morada para que te enviem a vontade que sem tocares nascentes,
Não esperes pedrinhas contra a janela quando a noite se esqueceu de te incluir nos seus planos,
Ninguém espera nada de ti, a não ser cumprires o papel de fazer os outros sentirem-se maiores
Nas suas vidas de suicídio mal solidificado, levas um cinzeiro de vidas bem fumadas
E até isso incomoda os cães que nunca perderam o instinto territorial de mijar e esgaravatar
A aridez onde cagam e comem, roem ossos de impérios e nomes de família, os teus montes
Ardem e a infância reduz-se a dez dedos incapazes de acompanhar a saudade e tudo fica.

17.09.2013

Coimbra


João Bosco da Silva

Poema lido por Sara F. Costa: https://soundcloud.com/sara-f-costa/poema-de-joao-bosco-da-silva 

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Regurgitações 3

As uvas amadurecem, ou como o vejo, apodrecem no seu doce, uma implosão quente,
O Sol troca a tarde pelo crepúsculo como quem troca Os Maias e os cães ladram nas ruas
Estreitas onde poucas mentes mais estreitas passam, em direção à pipa ou à mulher
Embrutecida pelos anos, ou ao homem embrutecido pelo encornamento e o fumo lento dos
Cafés ou das lareiras no Inverno para o fumeiro e outros chouriços, tudo parece tão distante em
Setembro e mal a cinza assentou, mal o fígado se repôs das longas noites para nada,
Sanita abaixo, cona adentro, alguém racha lenha e dá um peido, despedidas que já
Arrefeceram, ninguém aprende que nunca se volta quando o tempo não se pode rebobinar,
Fica só o vazio e a separação, o lagar aguarda o esmagamento que é o Outono, sangue para o
Arrefecimento gradual do sangue, ao ritmo do encolher dos dias, as motas Zundapp e Sachs
Tentam arrastar-se a tempo do jantar, o fim sem consolo do final do dia, o mais certo
Que se leva é o sal na pele do suor que entretanto secou, o sino da igreja de Tromsø dá as oito
Horas da noite, a madeira não crepita, cansa-se do pragmatismo nórdico, em Helsínquia a
Catedral lava-se da cor rosada do fim do dia e o Inverno não tarda, tão longo, por cá fermenta-se
O que se fodeu sem nome, a vontade, aniquila-se, o sentido sem direção, as crianças vão aos
Lodges cheios de turistas buscar água para o fim do dia em Maasai Mara, os russos continuam
A ser os maiores sob a barba de Dostoievski e o Hotel Chelsea espera pelo vinho azedo de tantos anos
Espremidos pelo tédio e desespero, é o desprezo que mais dói, onde se escreverá a sangue
A última linha, sem ponto final a rematar a diarreia desta gastroenterite apanhada pelos sentidos
E pela sensibilidade à despedida das andorinhas, as de Fevereiro em Nairobi, mais silenciosas,
Com medo do Sol e das águias com olhares de colonizador inglês, o Saimaa já lavou tudo
O que se trouxe e este ano haverá pouco vinho, que se foda a fermentação, o Sol emagrece os
Olhos de sede e Miguel Torga, jaz, silencioso, numa estante de livros que despiram mais do que a sauna.

Torre de Dona Chama

08.09.2013


João Bosco da Silva

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Super-homem Regressa A Krypton

Os dramas dos santos patéticos, donos das suas certezas, leis próprias e deuses absolutos
Da moral certa e da verdade em questão, fazem-me rir e irritam-me o intestino grosso,
Que sabem estes bebés, com pêlos nos genitais, de infernos, se nunca cortaram à dentada
O cordão umbilical, não sei para que os ouço, há quem prefira os dramas das telenovelas,
Ou das vidas das velhinhas nos programas da tarde, eu ouço por passividade, tirei os óculos
E assumi que o super-homem regressou a Krypton e deixou o super na terra do Sol,
Mais um qualquer que tem que se fingir impressionado com o tédio da vida correcta dos
Outros, que dramas, que sofrimentos, nunca engoliram metade do sangue que eu engoli,
Nem enfrentaram racistas psicóticos sobre influência de drogas tão sintéticas que fazem
A cocaína parecer um filme noir, mas quem sou eu, sozinho não posso fazer nada,
Nem com as palavras, julguei ser capaz de fazer parte, mas entretanto, a sinceridade
Da libido afastou falsos profetas de amor livre e outras teorias bonitas quando se têm
As cuecas no lugar e as mãos nos próprios bolsos, e ouço-os, com o mesmo tédio com que
Corto as unhas, porque crescem, porque é a vida, porque os dias passam e somam-se
Aos que passaram e confundem-se na repetição e bebo o vinho na mó de baixo,
Sem qualquer dor de dentes, que muitos tornariam num drama digno de um romance
Premiado, geralmente são esses que levam o reconhecimento dos patetas pela sua
Abordagem fiel e sincera da mediocridade, da vida superficial e estéril, nem uma palavra
Merda, aqui me cago, e ninguém se espelha, porque aqui há demasiada gente sem cu,
São todos boca e falinhas mansas, todos punhetas engolidas a medo e fodas projectadas
Em sonhos de almofadas de aloé vera, ouço-os com um sorriso que se confunde com
O horizonte nauseado de um crepúsculo de incêndio, acendo um cigarro e queimo
O futuro para que se misture com o passado, para tomar algum corpo para aguentar
A passagem, até à hora da morte, sem pecados, só o que os outros apontam com dedos
Demasiado limpos para quem diz que tem vivido, esqueço o que terei que lembrar e engulo
Mais um gole de vinho, na mó de baixo, ignorando o moinho que me gasta os dentes da paciência.

Coimbra

02.09.2013


João Bosco da Silva

domingo, 1 de setembro de 2013

Speramus Meliora; Resurget Cineribus

Não sei o que me trouxe a Detroit, provavelmente o facto de estar familiarizado
No sangue com impérios afundados, sejam barcos, ruínas, abandono, tradições
Baseadas na obscuridade, nos becos esquecidos por tudo menos pelo oportunismo
Parasitário, o sangue escravizado pela terra ou pelas máquinas, trabalhar para viver
Para trabalhar, não sei se as casas abandonadas, se os abandonados nas casas, à espera
Do golpe final, um corte, e a ténue película entre aqui e a bancarrota letal, a miséria
É a desculpa para as oscilações do humor frio das bolsas dos bolsos abstractos dos deuses
A quem ninguém reza e toda a gente deve, paga-se com a vida e está-se finalmente
Descansado, que o coveiro não nos enterre muito fundo, temos que incomodar
Ao menos os narizes, já que este mundo é de surdos, mudos e idiotas feitos pinguins
No ar frio com que engolem o peixe miúdo, nunca serás ninguém enquanto não tiveres
Praga ou Budapeste, dizem-me entre dentes numa fotografia, pensei pedir equivalência,
Afinal tive boa nota na sueca e noutras cartadas internacionais, os certificados entretanto
Foram lavados com sabão e horas de suor e cerveja, outros desfizeram-se quando acordaram
De manhã e o lençol já frio, um manto de neve sobre Detroit, pisado por um rapper
De outros tempos, no tempo em que se podia ser ainda tudo, sabendo o mundo,
Desde logo, que nunca permitiria grandes voos, uns cruzeiros para um futuro naufrago.

31.08.2013

João Bosco da Silva


Coimbra