segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Reminiscência De Muikku E Cona Em Wayfarer

“I´ll start off whithout any words”

Hoje lembro-me de peixe frito em manteiga e de noites curtas, a contar vestidos de faixas
Pretas e brancas, num sofá parecido a uma fossa sanitária a nível genético e mutagénico,
De wayfarer a filtrar a violência dos olhares, quando me sentia menos cinzento, ou me sentia
Menos em casa, certas liberdades só se tomam com as raízes a secar ao ar da distância,
A vida precisa de ar e distância, espaço e beijos roubados na púbis ruiva de uma noite
Eterna na memória gravada a laser nas retinas de quem quiser dar importância ao
Abandono depois de uma grande festa, não me posso queixar, desde a cegueira
Iluminada da madrugada encalhada em águas demasiado vivas, já cuspi de muito alto
E nada, até agora, me caiu em cima a não ser o ressentimento da água benta dos outros
Enquanto se benzem à pressa e a medo do olhar verde do diabo amestrado, ainda será
Capaz de óculos de massa grossos enquanto despeja uma garrafa de black label só pela
Destilação de pecados em versos, perguntam-me em noites de liberdades provincianas,
Tem dias em que só uma garrafa de vinho da vinha do meu avó, o que me encerrou a infância
Com murros no muro do cemitério, só uma garrafa extraída dos pés do descendente directo,
Me pode apaziguar o tédio e a solidão e destilar uma longa digestão de derrotas e erros,
Mas hoje, lembro-me da textura dela nos dedos engordurados pelo peixe frito em manteiga,
Lembro-me da confusão que senti, qual o cheiro dos lagos, o sabor do peixe, a cor do prazer,
Tudo na língua misturado com a manocromia de uma conquista adiada para acabar no traçado
De uma linha viscosa desde o contorno delicioso da nádegas empalidecidas pelo luar
Até ao crucificar das linhas horizontais do vestido com o meu esperma embriagado.

30-12-2013

Coimbra


João Bosco da Silva
Cosmic Comic Café Revisitado

Neste Cosmic Comic Café de pedantes eruditos na arte de mostrar muito o pouco que por osmose
Aprenderam, a muito custo e pouco sal, dinheiro mal gasto como o que se gasta em almas, sento-me
E espero o avião que me levará à confusão de estar longe de tudo o que me separa os ossos
Da carne, não fosse aquele mergulho no inferno gelado e nunca me teria espelhado e reconhecido
Na profundidade cósmica de mim mesmo, sentado à espera num canto, de mais um salto no escuro,
Ou sonhos, sonhos são para quem tem medo de cortes de papel ou a necessidade de antibióticos,
Ou apenas medo medo, o maior inimigo da vida e que a torna longa e intragável, sonhos,
Enquanto o café arrefece, sonhos, enquanto se é esquecido por alguém que se tocou, sonhos,
Enquanto se é arrastado pelo sono do dia, pelo sono adiado de mais uma noite cá dentro, com
A sala vazia, o quarto vazio, um banho demorado, cá dentro, tão distante o tudo que se foi, escrito
E esquecido na tradução sincera de duas línguas que se tocam marcadas pelo sabor de tantas solidões,
O Dr. Thompson engoliu o chumbo para cuspir o tédio, com um punho de seis dedos pelo cu da eternidade
Dentro, a viagem tinha sido nutritiva, o que torna a digestão difícil, mais uma paragem num Cosmic Comic Café
Qualquer para os lados de Barstow ou por onde mora agora Baudeleire no apodrecimento de todas
As flores como recordações, eu, quase a metade toda do que me senti ser, um antidoto para todos
Os génios incertos, para dentro deles, eu a certeza de que até na perdição se sabe melhor onde se está,
Livre, fora do ponto certo onde se encontra a convicção segura da integridade do cigarro antes de a alma
O tornar cinza e encher o cinzeiro antes vazio, com palavras e outras inutilidades, aqui, longe, neste
Cosmic Comic Café de país provinciano, viciado em drogas antigas, com os dentes em ruínas romanas
E a visão desgastada por anos de catolicismo e comércio de escravos, democracia para inglês ver,
Onde tudo é palácio para burros e pérolas para porcos, onde a fome brilha e insufla egos com vazio.

29-12-2013

Coimbra


João Bosco da Silva

sábado, 21 de dezembro de 2013

Chocolate Starfish And The Hot Dog Flavoured Water

Ela julgava-se especial com o seu vestido transparente, à entrada da porta aberta num dia de Sol em Agosto,
Eu convencido de que não queria saber de mais nada além daquela silhueta, já tinha provado a rata fresca
Da amiga da minha irmã e manchado as páginas do Hemingway com o sumo da sua puberdade,
Ela julgava-se especial, eu convencido de que o mundo orbitava à volta do seu sorriso desmaiado,
A luz a despi-la nos meus olhos torturados por tanta punheta e rima forçada, até torres caíram
E ainda o Frodo não tinha saído do Shire, as mãos dela nas minhas, na sala escura protegida da canícula
E a fábrica a sobrecarregar uma líbido de cão de inferno, se ao menos na altura eu soubesse o significado,
Ou pelo menos o sabor daquele significado, as palavras que juntos ouvíamos, ela que se julgava tão
Especial e eu tão encolhido, invaginado ao ponto de me poetizar, o início de uma descida ao pântano
Dos nados impossíveis despejados em vazios desconhecidos, das palavras disparadas em convulsões
Silenciosas nas gargantas gorgolejantes, contra os peidos de cona e os desconfortos anais das
Submissões anónimas e a água a escorrer, a dor vertida numa vingança sublimada e traduzida para a língua da língua,
Inocentes, ela julgava-se especial, eu não me julgava nem me conhecia, tinha papilas gustativas
Inexperientes, desconheciam a estrela de chocolate, ao Sol e eu sem saber que a sede não era de mãos
E carícias inocentes, mas daquilo que o mar não dá, só a terra e o desejo inocente de um pouco de inferno,
Com o epicentro longe do cataclismo das noites passadas à procura dos futuros perdidos nos esfíncteres
Alheios, tudo se torna claro e belo, chocolate starfish and the hot dog flavoured water, o meu amor
Induzido, subliminar, entre olhares vestidos de inocência e jogos de cartas para diluir a verdadeira natureza do poeta.

Seia

09-12-2013


João Bosco da Silva
Arte De Te Beber

Podia dizer-te que te quero abrir como uma garrafa de vinho, depois de estudar o teu rótulo,
A tua origem, o ano da tua colheita, abrir-te lentamente e deliciar-me com a tua abertura,
O som da rolha de cortiça a sair da garrafa e a deixar o aroma encher o ar, deixar-te respirar,
Respeitar a tua cerimónia, podia dizer-te isso tudo e colocar um pouco de ti no copo certo,
Agitar-te levemente, cheirando-te, procurando o teu tom único, a tua transparência e provar-te,
Mastigar-te com suavidade, podia mentir-te, mas o vinho encerra verdade, por isso te digo
Que a vontade é de te abrir como puder, e sem um saca rolhar, enfiar a rolha para dentro da
Garrafa e engolir-te de pernas para o ar, sem te saborear, não te quero estudar, tenho sede
De ti, quanto ao rótulo, deixar dele uma mancha de cola, restos de papel arrancados com as
Unhas, como se faz às garrafas da cerveja quando se tenta adiar mais um cigarro, quero beber-te
No desespero da solidão, não te quero partilhar com mais ninguém a não ser com a madrugada,
E engolir, engolir-te toda até deixar de me sentir eu e triste, até conseguir adormecer
Contigo toda dentro de mim, sabendo que vou acordar com a cor da tua pele nos meus lábios
E a tua presença pesada onde dizem que habita o amor, não consigo beber-te de outra forma,
Podia mentir-te, mas o vinho como tu, deve beber-se com verdade e antes de ficar vinagre.

18-12-2013

João Bosco da Silva


Coimbra

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Saimaan Rannalla

aos,

Onde a água é dourada ao fim da tarde tardia, os barcos passam e nem se vê neles
A passagem da vida, sente-se a escorrer, a água do lago, lágrimas inversas, o prazer
Da pele quente pelo Sol leve filtrado pelo verde, engole-se uma Olvi na ilha do museu,
Confessam-se todos os pecados em segredo ao castelo, enquanto se grita alto
Liberdade, roubam-se os talheres do restaurante medieval para se esquecerem
Numa oxidação inocente entre erva grossa, as loiras brilham mais que o Sol,
As garrafas de vinho enterram-se na areia à espera do amigo italiano, enquanto
Se juntam troncos para criar uma homenagem à amizade e à felicidade do pouco,
Sozinho à beira do Saimaa, não é possível sentir-se triste, a cambada toda com
Peixes frescos, assados na madrugada, e caixas de vinho barato português,
O mais barato, cigarros enrolados na improbabilidade da companhia, mergulhos
Sem pudor, apenas carne e gente, a água benta dos católicos purificada
Pela fria água do lago, os dedos dentro da tocadora de kantele, os peixes
Brilhantes na ressaca de uma noite de cona de dezanove anos entre as coníferas
Da ilha pequena ao lado do casino antigo, a arte de viver na arte, a caverna perto
Da estação onde se caga para a esterilidade branca do que se vende aos olhos
Ignorantes dos estrangeiros, a cerveja que esperava onde se escoam as chuvas
E a neve dos meses que derretem, o podre tem outro sentido, purificador,
O leite é uma necessidade fotogénica e há beleza em tudo, até em mim,
Sentem mais os olhos que não traduzem que todas as dissecações da terra,
A bicicleta desiste da corrente e leva-me ao lago, acabo em arbustos
E com o sabor metálico do sangue misturado com vodka barata, é no local
Do costume, onde sempre é casa, venha-se do inferno que se venha
E no fim do dia, janta-se muikku sem intenções, entre vietnamitas, belgas,
Espanhóis, chineses e americanos, e a noite traz óculos de sol e vestidos
Pretos e brancos manchados com esperma e um agradecimento sincero,
Ao ritmo de um ressonar bêbado, na cama do quarto da porta aberta.

05-12-2013

Coimbra


João Bosco da Silva
Tea Bagging

A estação de comboios, ao lado, esperava, gelada, as viagens que não voltaria a fazer,
Não voltaria a partir, nem voltaria a escrever poemas no vagão restaurante com uma
Cerveja quente, enquanto vivia a vida dos outros e transcrevia a minha no papel
Suado das viagens do Verão, agora parece impossível o calor, mesmo a marca
De gotas de sangue na neve, quente, nem um cão na rua, só eu farejo em direcção
A mais uma perdição, a luz do dia ainda fechada como o resto do dia, na sala estava
Um amigo bêbado, daqueles que se encontra a más horas de pé esquerdo, tentava decidir
Entre mergulhar na amiga lésbica, já desfocada com os seus grossos óculos de massa,
Ou afogar-se na cerveja que restava, nem todos dormem e menos ainda são os que sonham,
Ao ritmo de uma viagem que nunca chegará ao destino na noite, uma boca vermelha
Envolvia o saco de chá, dizia que gostava com leite, mas o vinho não permitia vias lácteas,
Procurava com o olhar suplicante, extrair pelos poros do  escroto uma vibração que eu sentia
A escorrer em forma de saliva e sede, alguém acordava para começar menos um dia, alguém
Se vestia, a nossa roupa no chão da casa de banho a fingir sinais de amor, só fome na verdade,
E aquela sede de ruína, de ter-se bebido demasiado, de paixão, pouco ou nada, apenas a fúria
Nos lábios e o desespero no olhar, uma solidão crónica que se mata só com a desilusão,
O caminho de casa estava no sentido inverso, mas no fim, quando não há mais caminho por
Onde ir, resta voltar para trás, não regressar, nunca se regressa, o tempo não o permite,
O chá terá arrefecido, poderá até ter açúcar desta vez, outro sabor fermentado por algo
Parecido à saudade, mas saudade como sentir falta de um dedo onde outros dedos
Entraram e mal se estranharam, ela adorava tê-los na boca e eu adoro a marca que a boca
Me deixou na solidão que estes dedos agora percorrem sem arrependimento.

Coimbra

26-11-2013


João Bosco da Silva

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

A Sombra Da Anti-Matéria

Respeita a matéria negra, afinal de contas é ela
Que suporta o peso de toda a luz, dá também espaço
A estes poemas destilados da treva, do cheiro a salitre,
Da merda fermentada, do esperma bêbado em adro de igreja,
Ninguém vive sem cagar, mas passa-se sem se tomar banho,
Há purgas essenciais, da alma nada fica e só na vida
Tem que se arrastar este saco de tédio a que se chama
Imaculação, sem crucificação não haveria religião,
Respeita a matéria negra e o lado escuro da poesia,
Sem Rimbaud não haveriam tantos iluminados hoje,
Sem tantos iluminados, não haveriam tantas sombras,
Deixa apodrecer as flores, azedar o amor como o leite,
O sumo também fermenta, é mais natural, e não podes
Esconder que o que move os dedos, não é a vida,
Mas a consciência da grande sombra, ou também os ratos
Seriam poetas nas bibliotecas das faculdades de letras.

Coimbra

10-11-2013


João Bosco da Silva
Uma Fidelidade Inútil

Escrever nunca me trouxe glória ou amor, muito menos
Quando escrevia por uma coisa e a ilusão da outra,
Escrevi cartas de amor, em noites passadas em casas de amigos,
Tu ficas com esta e eu com aquela, mas escreves tu as duas,
E eu escrevia, no fim, uma das duas dava resultado, talvez
Me faltasse o olhar, ou as palavras nos lábios, ou apenas
Prontidão, seja como for, ficava a entreter a amiga com
Silêncios constrangedores, enquanto o meu amigo comia o fruto
Do meu trabalho, a que ficava comigo, entediada, sabia no fundo
Que as cartas tinham tido um único autor, apesar de uma delas
Não ter tanta timidez, depois das cartas vieram as mensagens
Rápidas, outras noites a escrever para mim e para os outros
O que sentia, do meu lado, sem efeito, do outro, ainda estão
Juntos, no fim de contas foi com o que fiquei, escrever,
E agora, nesta noite solitária, se calhar, sinto-me menos só.


Coimbra

10-11-2013


João Bosco da Silva