terça-feira, 23 de julho de 2013

Buthus ibericus

Conta-me outra vez essa história, pela milésima vez, conta-a com todos os pormenores,
Conta-me essa ou outra que também já sei de cor, eu serei todo interesse e se tiver que ser vida
Conta o que quiseres, mas não te cales, nem me faças encontrar na tempestade outras razões
Além de alterações de pressão, baixas de temperatura, a atmosfera ionizada e pronta para
Um pranto que não tem nada a ver com o que me obriga a escrever ou a chorar quando o papel
É outro e a solidão permite extremos, conta-me outra vez essa história, ou aquela outra, tanto faz,
Conta enquanto tento encontrar o teu cheiro na terra quente molhada, a tua companhia num
Copo de vinho, custa-me que o mundo o mesmo e nada igual, antes de ti também tristeza,
Lugares vazios à mesa, mas nunca o teu, o meu mundo nunca antes de ti, por isso que interessa,
Os ciclos passavam por ti e a tua vida uma rotina ao seu ritmo, todos os anos encerravam-se neles
Mesmos e pariam outro, para engordar até lá para Dezembro e tu como quem conta no fim
Do jogo da sueca, contavas sem saberes sequer escrever o teu nome na inutilidade dos papéis,
A tua realidade feita de terra, mau tempo, pedras, madeira, castanhas e vinhas, a verdade
Longe da especulação que queima séculos de suor, mas não tens que escrever nada, conta-me mais uma vez,
Como foi arrancar o espigão de um escorpião com as unhas, como foi vingares-te do Buthus ibericus
E a que sabe a dor da sua picada, conta-me em que pensavas enquanto sangravas na cama
E os teus filhos pequenos não esperavam que tu mais de oitenta um dia, por um pedaço
Tão pequeno de metal, até o homem mais forte é facilmente travado por um pedaço
De algo que pára as engrenagens do relógio da vida, e pára e parou, conta-me pelo menos,
Como foi daquela vez, em que fechaste os olhos e fizeste acreditar a todos, menos a mim, que morreste.

13.07.2013

Torre de Dona Chama


João Bosco da Silva