quinta-feira, 7 de maio de 2015

No Restauracja Goldwasser

À beira do rio, podia começar assim, outra vez vez, ser o título de mais um poema,
Longe, sempre longe a aproximação do entranhado nos poros das sinapses
Onde se escondem as almas, shots de gold strike na pizzaria da terra no dia da festa
Da fogueira eterna, o antigo melhor amigo a dormir com a cabeça sobre a mesa,
Em cima da caixa da pizza para levar e comer no jardim ao pé do quiosque
Das primeiras literaturas de cyberpunk distópico, o futuro uma desilusão,
Tudo isto entre os escombros de mais uma cidade violada pelos russos
Antes da vitória, a vitória é sempre uma questão de destruição na casa dos outros,
A destruição das memórias, o gosto amargo na boca na manhã ressacada,
A resignação aos cabelos brancos, o elogio das rugas, os pecados que já não se sentem
E a vida um aborrecimento sem aquele peso que se aliviava no senhor padre, umas omissões,
A confissão de uma língua suja, sem lamber cricas contagiosas, e fui mau senhor padre,
Até bebi ouro, dizem que ouro, mas tão bom, sabe, deve ter ficado preso à alma,
Não o vi quando caguei, sabe, às escondidas, como você com as divorciadas, as novinhas
E as mulheres dos outros que estão fartos delas e passam a vida nas putas ou no café,
Hoje a mão já nem se deixa fascinar pelos centímetros encontrados na carne dos outros,
Leva mais um copo de goldwasser aos lábios cansados de tanta secura, tanto ar frio e vento,
Tanta solidão húmida e mal aparada, tanto fumo em segunda mão, tanta fome alheia
E anónima, engulo, sinto a ilusão quente descer até mim, mais verdadeiro e purificador
Que qualquer hóstia, sinto a distância diluir-se entre mim e o líquido, contudo
O meu estômago ainda conserva alguma sensibilidade antiga, acho que não escrevo
Com o coração, é o estômago que me guia a mão, a fome que me inspira,
Por hoje, à beira do rio, é tudo o que o papel merece de um estômago dourado.

04.05.2015

Gdansk


João Bosco da Silva