quarta-feira, 22 de março de 2017

Buda E Peste

Não se queixam
com sede
as flores de plástico.

Dos sonhos arruinados
nem uma pedra
para memória.

Anos depois o Danúbio
Ainda recorda
O poeta delirante.[1]

Dormiram cavalos
comeram os porcos
na casa de deus.

Beber vinho
onde princesas mortas
comiam bolos.[2]

Os folhos da saia
tão doces
antes do vinho.[3]

Sangue de touro –
ao longe teme-se
perto aquece a coragem.

Quando as evidências
são um Sol
ao acordares.

Todos os passos
nos levam
aos primeiros.

Qual é a distância
que mais
te custa?

Todas as cidades
o primeiro fascínio –
Porto.

Encontrar sonhos perdidos
em ruas
desconhecidas.

Trago-te sempre
comigo
desde que te perdi.

Enquanto tiver vida
e memória
será nosso o mundo.

À beira do Danúbio
lembro-me do amigo
nas margens do Sumida.

Que palavras se escondem
no fundo
do copo de vinho.

No café Astória
guerras e vidas depois –
cansado.

Sol –
um estranho
a cada ângulo.

Budapeste, Março de 2017

João Bosco da Silva



[1] O poeta Nuno Brito.
[2] Em Ruszwurm.
[3] EM Ruszwurm.
Acordar Cedo Tarde

Começam a ser difíceis as braçadas no emaranhado de cabelos brancos,
Até fome daqueles cabelos queimados que o barbeiro barria para um buraco negro,
Depois do espelho de manhã, antes do café, depois da descida da concentração
Filtrada de uma alma amarelecida e cirrótica, o dia não interessa,
A varanda basta para um reconhecimento universal, as estrelas lá estarão à noite,
Não é preciso mergulhar nelas para se sentir o abismo envolver a nossa insignificância,
Acordar como quem morre depois de ter vivido tudo, acordar com as mão vazias,
Com uma fome sem vontade de abrir boca, com os dedos trémulos salpicar
Salmos nas teclas pegajosas ainda com os olhos salgados dos sonhos vívidos,
Noutra vida, talvez, noutra vida quando nem esta se tem de verdade
E cada dia gasto à espera do Sol poderá ser o último amanhecer,
Entretanto colecionam-se manchas na pele, e dores esquisitas que nem
Se sabe ao certo onde moram, nem de que terra são, todas filhas da passagem.

22.03.2017

Turku


João Bosco da Silva