sábado, 1 de julho de 2017

Duas Cidades

Moras-me em duas cidades, no Porto, a que conheci entrando sala adentro
Levitando numas allstar velhas, a que senti dentina no lábio inferior,
A que desejei em versos e noites acendidas com mensagens tímidas lidas
Por namorados barbudos que te tinham de mão cheia e sotaques perfeitos,
Com quem bebias champanhe e fodias em carros pequenos,
A com quem sonhava Paris em águas-furtadas forrada com livros e sonhos,
Com quem jantei uma fome enorme vencida pelo medo da mesma vontade,
A outra mora em Paris, a que arrastei comigo e que nunca consegui apagar
Com a carne das outras, a que pinto com histórias que não vivi,
A dos sonhos recorrentes e do sorriso que já não me pertence, impossível,
A que ficou latejante na memória do sangue que se renova e nos afasta,
Que encontro numa reunião quântica na permanência das sinapses
Nas ruas onde estivemos em tempos separados, numas águas-furtadas
Onde alguém bebe o vinho da garrafa que não se abriu, enquanto outro 
De olhos fechados e em voz alta todas as palavras que não se trouxeram,
Na verdade não moras em duas cidades, és a ponte, em mim, entre a memória
E o sonho, o passado e a ausência, a ponte onde me és possível e presente.


Turku

20.06.2017


João Bosco da Silva
Dia Curto

Temos os dias contados neste mundo e os nossos paraísos ficarão esquecidos
Nas nossas fotografias de família, aquele rio, aquela figueira sem Judas,
O rio já seco que ninguém visita e muito menos imagina a felicidade que um dia 
Foi capaz, os peixes pó no esquecimento, os lobos uma memória antiga,
Tudo antes dos nossos ossos farinha e o nosso nome apenas isso,
Duas datas como no poema de Caeiro, se alguém se der ao trabalho
De ler pedras enquanto velas esperam dias de chuva para durarem mais que a vida.

22.06.2017

Turku


João Bosco da Silva